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A Ordem de Cristo como importante difusor da música religiosa

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Busto de Sousa Viterbo, trabalho de Francisco dos Santos, Sociedade Nacional de Belas-Artes, esteve em exposição no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, onde se obteve esta imagem.

Duvido que tenha existido alguém com a capacidade de trabalho e uma curiosidade irrestrita como Francisco Marques de Sousa Viterbo (1845-1910), poeta, redator, médico da Armada, publicista, professor, jornalista, escritor, e muito mais. Não lhe escapou a Ordem de Cristo nas suas investigações, imagine-se que andou a investigar na chancelaria da Ordem de Cristo e foi o primeiro estudioso contemporâneo a revelar a influência determinante da Ordem na música religiosa que se ensinava e oficiava no Convento em Tomar, em muitos pontos do continente, no que hoje designamos por regiões autónomas e em certas parcelas do Império.

Na esteira de tão laborioso trabalho, Cristina Maria de Carvalho Cota continuou todo este processo hermenêutico e heurístico, de que resultou um trabalho académico justamente intitulado A Música no Convento de Cristo em Tomar, Edições Colibri, 2017, já aqui fizemos a respetiva recensão, o leitor mais interessado pode ter acesso integral à obra através do site https://run.unl.pt/handle/10362/36277.

A obra a que hoje nos vamos referir data de 1910, ano do falecimento deste notável intelectual, obra considerada muito clara, cinquenta exemplares. A primeira questão que se pode pôr a um leitor menos conhecedor da presença da Ordem de Cristo em vários continentes passa por clarificar os porquês dessa presença histórica. O administrador e governador da Ordem era por inerência um membro da Família Real, e logo o Infante D. Henrique começou a acumular privilégios que passavam pela Madeira e os Açores, o arquipélago de Cabo Verde, a soberania da Ordem estendeu-se às praças de África, a São Tomé, a Luanda e algumas regiões do Brasil. Daí Sousa Viterbo subintitular o seu trabalho “Domínios Ultramarinos”.

A Ordem de Cristo, segundo a documentação existente, interveio na Baía de Todos os Santos, na sua sé havia mestre de capela, igualmente na igreja da vila de Iguaraçu, na diocese da Baía e noutra igreja da cidade, Nossa Senhora da Conceição da Praia; há também documentação de um mestre de capela na freguesia da Invenção de Santa Cruz da vila de São Jorge, capitania dos Ilhéus. Deduz-se que nuns casos havia tangedor de órgão e mestre de polifonia e cantochão. Pela documentação averbada, a Ordem influiu em São Salvador da Baía, São Luís do Maranhão, Pernambuco, São Sebastião do Rio de Janeiro, São Paulo e Mariana.

Passando para o arquipélago açoriano, diz Sousa Viterbo que “Cerca de 60 documentos autenticam esta notícia relativa à música em diversas igrejas do arquipélago açoriano. Cumpre-me advertir que só encontrei elementos de informação a respeito de cinco ilhas, Terceira, São Miguel, Faial, Graciosa e São Jorge. Aí por 1532 a ilha de São Miguel era a primitivamente escolhida para a sede do novo bispado açoriano, mas, não se sabe bem porquê, não tardou a mudar-se de pensamento, dando-se a preferência à cidade de Angra, que já em 1534 gozava dos privilégios episcopais.

Em 1567 a sede de Angra tinha mestre de capela com obrigação de ensinar cantochão e canto de órgão aos clérigos da cidade. Outrossim ensinaria gratuitamente 20 moços pobres que o bispo designasse”. Bem curiosa é esta documentação que nos vai referindo os ordenados pecuniários e em espécie, por vezes não falta uma boa pipa de vinho e o moio de trigo.

A Igreja de São Sebastião em Ponta Delgada tinha mestre de canto de órgão comprovadamente em meados do século XVI, e as referências a órgãos e música religiosa estendem-se a Vila Franca do Campo, Ribeira Grande, Água de Pão, Nordeste e Lagoa. A Igreja do Salvador na Horta tinha tangedor de órgão, igualmente na vila de Velas, ilha de São Jorge, há documentação sobre o organista da igreja principal, com data de 1592.

Passando agora para o arquipélago madeirense, é irresistível não citar o que Sousa Viterbo escreve nos dois primeiros parágrafos:

“O sr. Platão de Vaksel, cidadão russo, residente em São Petersburgo, aportou à ilha da Madeira em 1861, com algumas pessoas da sua família, a fim de procurar, na benignidade daquele clima, alívio aos seus padecimentos. Uma das suas irmãs, vítima da tuberculose, caiu no sol paradisíaco da Flor do Oceano. Outra casou ali com o senhor Faria e Castro.

O sr. Platão de Vaksel dedicou-se com apaixonado esmero ao estudo da nossa história e da nossa língua, em que chegou a escrever corretamente. A música mereceu-lhe afeto especial e sobre este assunto publicou algumas séries de artigos na Gazeta da Madeira. Foi o primeiro, ou um dos primeiros, que entre nós se ocuparam da historiografia musical portuguesa e por isso se torna merecedor do nosso reconhecimento”.

E cita igualmente Gaspar Frutuoso e a sua volumosíssima obra, As Saudades da Terra, para se falar na música da Madeira a partir do século XVI, menciona-se concretamente a romaria a Nossa Senhora do Faial no Porto da Cruz, a freguesia de Santa Cruz na capitania de Machico, Ribeira Brava, elencam-se nomes de mestres de capela da Sé do Funchal, e não é de desdenhar outra referência que Sousa Viterbo nos deixa, a este propósito:

“Antes que principie a enumerar os mestres de capela e organistas que serviam nas igrejas que eram subordinadas à Ordem de Cristo, seja-me permitido intercalar aqui a descrição poética de dois órgãos da Sé do Funchal, um dos quais devia ser sumptuoso, tanto pelo seu aspeto arquitetónico e ornamental, como pelas suas vozes e construção técnica, e segue-se a descrição desses órgãos por Manuel Tomás, poema publicado em Antuérpia em 1636, enorme, ficam aqui os seus primeiros versos:

“Terá dois órgãos, mas o mais prezado

Com cinco reais castelos diferentes,

Circular o do meio, e em quadrado

Os dois que mostram ser mais eminentes

Agudos dois e à vista este, frautado (português antigo com significado de alegre),

Com aparência e vozes excelentes,

Que em canto de órgão e chão, com charamelas

Vozes do Céu parecem todas elas.”

Instituição da Ordem de Cristo, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Depois de Porto Santo seguem-se as referências à igreja-matriz da vila de Mazagão, ilha de Santiago, em Cabo Verde, catedral da Ilha de São Tomé e igreja-matriz de São Paulo da Assunção de Luanda.

Pode pois o leitor sentir-se orgulhoso como esta Ordem que foi de guerreiros monges e depois religiosa teve um papel difusor na cultura onde a intervenção da Ordem na arte musical não foi de somenos importância.

Mário Beja Santos

 

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