Site icon Jornal O Templário

Tomar medieval, o espaço e os homens

nmko 1

Imagem antiga de Santa Maria do Olival, extraída do blogue já tenho blogue, com a devida vénia

Widget dentro do artigo  
 
   
Advertisements
Advertisements

 

Tomar Medieval, o espaço e os homens, por Manuel Sílvio Alves Conde, Patrimonia, Cascais, 1996, tem por base a dissertação de mestrado do hoje insigne medievalista Sílvio Conde que o historiador Oliveira Marques, na apresentação classificou como um excelente livro de História. Sílvio Conde refere na introdução a inexistência de documentação concelhia, o que lhe exigiu que recorresse basicamente à de proveniência régia e senhorial e ainda à das instituições de assistência tomarenses. Em traços largos, o autor dá-nos a paisagem física da região, como correlaciona espaço e homens, é cuidadoso nos porquês da toponímia, referindo-se às plantas alimentares discreteia sobre os cereais cultivados, a oliveira e a vinha, a horticultura e as frutíferas. Diz que a vegetação espontânea é a melhor representada no conjunto dos fitotopónimos. “Uma parte do solo era ocupada pelos pastos. Permanentes, ou alternantes com a cultura cerealífera, fazendo ainda parte da toponímia. Através de vocábulos específicos, como lameira, bouça, panascal, ovelheira, ferragial, relvas, ou de termos mais genéricos, como valado e valada”. Segue-se a ocupação humana, o enfoque irá para aqueles séculos VIII a IX em que assistiu à implantação na zona de entre Douro e Tejo do quadro administrativo muçulmano. Será uma região insegura com a reorganização dos cristãos e as suas contraofensivas. Desse tempo, muito pouco se sabe. “A região teria vivido um período de relativa acalmia e prosperidade. Inovações técnicas nela introduzidas, supõe-se, pelos árabes – o açude de estacarias e a roda hidráulica –, teriam possibilitado o melhor aproveitamento dos cursos de água, tanto como fonte energética, como para rega”. É uma estabilidade que se irá alterar a partir do início do século XI, é o designado período da Reconquista em que se implanta a Ordem do Templo, constrói-se a Charola (o oratório dos Templários) porventura a primitiva Igreja de Santa Maria do Olival, sobre as fundações do antigo mosteiro dos monges negrados. “Quanto à Igreja de Santa Maria do Castelo, edificada no interior da Cerca, pensamos que seria coeva da fundação das primeiras muralhas, mas não existe documentação abonando tal hipótese”.

Ângulo da Torre de Menagem do Castelo de Tomar, imagem da Direção-Geral do Património Cultural

 

Segue-se uma contextualização de Tomar nos séculos XIV e XV, a Ordem do Templo dá lugar à Ordem de Cristo, são do segundo quartel do século XIV as primeiras referências às confrarias de Santa Maria do Olival e de Santa Iria; não se conhecem os efeitos da Peste Negra (1348) na região de Tomar e o autor dá-nos a relação dos principais eventos relacionados com Tomar com os reis da I dinastia. E temos a paisagem: “O elemento mais marcante da paisagem urbana era evidentemente a fortaleza. Bela e poderosa, com o convento dos freires e as muralhas adjacentes, dominada, do cimo da sua colina, a vila plana e o fértil vale do Nabão”. No sopé, a Vila de Baixo, mais adiante o rio e depois as hortas, quintais e jardins, e a cintura verde em que predominavam os olivedos e continuavam até umas quatro léguas além de Tomar. O medievalista apresenta-nos o dispositivo defensivo do Castelo dos Templários, as portas, a Almedina, as torres, estradas e pontes, dá-nos um quadro das vias de comunicação. Tomar por dentro era uma vila castrense. A Almedina ou Cerca assemelhar-se-ia a tantas outras cidades e vilas medievais, também construídas em encosta. Fala-se da Alcáçova que com o Castelo e o Convento/residência senhorial, as muralhas e as suas portas, os templos e o mercado, eram os pontos de referência. Lá fora era um espaço descontínuo. Havia um núcleo, que era o Pé da Costa, um alinhamento de casas entre a Riba Fria e ribeiro da Eira, ligado à vila pela calçada de Santiago. Na margem do rio estava formado outro núcleo, a Ribeira. “Eram as águas do rio que forneciam energia necessária para o funcionamento das rodas dos moinhos, e o foral de 1162, ao estabelecer uma maquia de 1/14 do pão moído nas azenhas a verter para o Ordem do Templo, proprietária daquelas, permite-nos pensar numa precoce concentração de unidades moageiras na Ribeira. A Corredora, via de ligação da Alcáçova às margens do Rio Grande de Tomar, teria um papel nuclear na estruturação da parte plana. Primeiro, ligando entre si os dois núcleos iniciais do povoamento daquela, a Ribeira e o Pé da Costa. Depois, assumindo a função de eixo ordenador do traçado das novas ruas”. E o autor permite-nos uma estimulante leitura, é um espantoso guia de viagem por ruas e praças, identifica as ruas, questiona as formas de zonagem de base socioprofissional, e admite não ter existido segregação social na Tomar medieval, ao nível da rua. “Na Corredora, por exemplo, encontramos desde o barbeiro ao escudeiro, do burocrata ao labrador, do sapateiro ao comendador, ou ao vigário da vila. A diferença passaria antes por um outro plano: o da qualidade da habitação de cada um”. Debruça-se sobre a construção, os materiais utilizados, as coberturas, a possibilidade de algumas casas terem chaminés e recorda que havia em Tomar profissionais especializados na produção de telha, existindo forros de telha dentro e fora da vila.

E assim chegamos aos edifícios de prestígio: a Charola, os Paços Mestrais, o Claustro do Cemitério, o Claustro da Lavagem, a Igreja de Santa Maria do Castelo, a Sinagoga, os Estaus. Disserta sobre o espaço periurbano, é uma aliciante descrição. Temos depois a população da vila, cômputo feito em Tomar só em 1527, eram escassos milhares de habitantes na vila, talvez quatro mil e de cinco a nove mil no termo. A haver de classificar Tomar, era uma pequena cidade, a meio caminho entre duas metrópoles regionais, Santarém e Coimbra. “Porém, a existência, num raio de escassos 30 quilómetros, de um aglomerado urbano do mesmo nível e de outro de grau imediatamente inferior – Abrantes e Torres Novas – levando à partilha das funções de liderança regional, retirava a Tomar a possibilidade de ascender ao grau seguinte da hierarquia urbana”. O autor passa em revista os Clérigos e a rede paroquial da rede de Tomar, os nobres e o povo, bem como os cavaleiros-vilãos, os peões e assoldadados, não lhe escapa a descrição dos funcionários régios, dos pobres e da comunidade judaica.

Este magnífico trabalho culmina com os seguintes dizeres:

“O ato político de fundação da vila de Tomar derivara de uma acertada leitura geoestratégica do espaço regional: tratava-se de controlar a mais importante via de passagem entre o centro e o sul do jovem reino cristão”. Mas a fronteira deslocou-se progressivamente para Sul, Tomar, vila castrense, persistiu e afirmou-se como centro urbano, superou as crises do século XIV e conhecerá uma nova dinâmica com a gestão da Ordem de Cristo pelo Infante D. Henrique, daí o seu nome estar indissoluvelmente ligado ao período dos Descobrimentos.

Mário Beja Santos

 

Advertisements
 
 
   
Exit mobile version