Realizou-se, em 1972, a Conferência de Estocolmo, a primeira grande reunião internacional para tratar das questões ambientais.
A Comissão Nacional de Ambiente, que foi criada para representar Portugal na Conferência, fez um programa para a RTP entre 1972 e 1974 relacionado com a ecologia e as questões ambientais, levantando algumas questões que ainda se mantêm atuais aos dias de hoje. O programa chamava-se Há só uma Terra e foi o primeiro em Portugal a focar-se nesta temática do ambiente.
O episódio transmitido a 14 de fevereiro de 1974 foi sobre a poluição do rio Nabão, em Tomar. O jornalista, Luís Filipe Costa, deslocou-se a Tomar para falar com as gentes locais. Em dezembro, os habitantes da cidade notaram milhares de peixes mortos e outros tantos aflitos, a lutar pela sobrevivência, a nadar desesperadamente em direção à foz.
Tinha ocorrido uma descarga no Nabão e a população reagiu com indignação. De entre os presentes, estava o Dr. Nini Ferreira, conhecido defensor do rio Nabão e que mobilizou a população em torno do seu rio. Colheram-se amostras de água, que foram enviadas para análise, juntamente com exemplares de peixes mortos para se poder apurar as causas e responsabilidades. Foi também enviado um relatório pormenorizado à Comissão Nacional de Ambiente subscrito por centenas de cidadãos, clubes e associações locais, num verdadeiro exemplo de união por uma causa ambiental comum. A Câmara, pescadores desportivos e cidadãos tiraram peixes para tanques e tentaram renovar a água do rio.
De acordo com o Dr. Nini Ferreira, havia três pontos nevrálgicos que podiam estar a causar este desastre ambiental: a Fábrica de Fiação, a de Papel do Prado e a de Porto Cavaleiros. Na altura, nenhuma das instalações tinha tratamento dos seus efluentes.
A opinião generalizada era que a Fábrica de Porto Cavaleiros tinha sido a origem da mortandade dos peixes, mas um representante da empresa referiu não se ter conseguido ainda apurar à data do programa. Antes deste episódio de poluição, havia viveiros de barbos no rio Nabão, que eram até uma importante atração turística.
Nas palavras do Dr. Nini Ferreira:
“A poluição afeta diretamente a sobrevivência do próprio homem. O rio constitui uma beleza de Tomar e uma beleza turística. (…) Tomar sem o rio e sem os seus monumentos não é nada. Nós pugnamos pela indústria, temos a indústria, mas também exigimos rios limpos e rios vivos. (…) Queremos uma terra progressiva, mas uma terra limpa, uma terra que nos agrade e uma terra que não afugente quem nos visita.”
Todos os episódios estão disponíveis nos arquivos da RTP memória (https://arquivos.rtp.pt/programas/ha-so-uma-terra/), inclusive o programa sobre o rio Nabão (https://arquivos.rtp.pt/conteudos/poluicao-do-rio-nabao/).
Vale lembrar que o Dr. Nini Ferreira mobilizou os tomarenses para a maior manifestação de sempre em Tomar contra o desvio do rio Nabão para abastecer Fátima[1]. Na altura, em plena ditadura, a força do protesto ajudou o projeto a cair.
Hoje, décadas depois, o desafio ambiental continua e continua também a possibilidade de agir, de unir forças por uma causa comum. Deixemos que o Dr. Nini Ferreira, incansável defensor do nosso rio Nabão, nos inspire a defender um futuro mais limpo, mais justo e mais consciente. Proteger o ambiente é proteger a vida.
Joana Simões
Licenciada em Eng do Ambiente pelo IST; Mestre em Bioenergia pela FCT/UNL; Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade na UL