Saiba o que aconteceu a 24 de agosto de 1925, em Tomar

Crónica de quem viajou cerca de 20 anos de comboio no Ramal de Tomar.

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Faz hoje, 100 anos que teve início a construção do Ramal Ferroviário de Tomar. Infraestrutura de acesso à cidade que contribuiu para o seu desenvolvimento económico social e turístico.

Saiba o que aconteceu a 24 de agosto de 1925, em Tomar
Foto: Autor desconhecido (1925 – 1926)

Sou uma defensora e apaixonada por este ramal, no qual viajei milhares de vezes entre a cidade e a minha aldeia natal. Este transporte permitiu-me, desde muito pequena, descobrir o que ficava para além da minha terra. Era como se o centro do mundo começasse e acabasse ali. Milhares de viagens, em comboios muito diferentes, antigos, modernos com lugares divididos por compartimentos ou em carruagens amplas. Milhares de viagens com todo o tipo de pessoas, intelectuais, operários, funcionários públicos, reformados, militares, pobres, ricos, bem vestidos, malvestidos, a cheirar bem, outros mal, estudantes, doentes, gente que vinha à cidade à procura de trabalho, gente alegre, outros tristes, entre mulheres, homens, crianças e recém-nascidos… malas, bagagens, caixotes, bicicletas…

Foi assim durante anos, em Invernos frios ou Verões muito quentes, em que se abriam as janelas para a circulação do ar (hoje impensável, as janelas não se abrem, mesmo que as temperaturas ultrapassem os 40ºC e o ar condicionado esteja avariado. Aconteceu recentemente numa viagem entre Lisboa e Tomar), ou se fechavam para evitar a entrada do frio.

Destas viagens evoco o espírito de amizade, companheirismo, solidariedade entre os viajantes, que diariamente chegavam e partiam à mesma hora.

Saiba o que aconteceu a 24 de agosto de 1925, em Tomar
Horários, atualmente  este mostruário encontra-se no Museu Nacional Ferroviário do Entroncamento

Recordo os fins-de-semana quando as carruagens eram insuficientes para os militares do R15 que cumpriam o serviço militar em Tomar e, no final da semana, visitavam as famílias espalhadas por esse país fora. As centenas de alunos do Ex-Colégio Nuno Álvares que regressavam a casa no final dos períodos escolares e outros aos fins-de-semana. As donas de casa de muitas aldeias servidas por este ramal, que à sexta-feira, logo cedinho, enchiam carruagens para virem ao mercado de Tomar, de onde regressavam carregadas de sacos, que o cheiro a peixe denunciava o que tinham comprado.

Nos principais dias da Festa dos Tabuleiros em 2023, visitantes na Estação de Tomar esperam para embarcar

Recordo as épocas das Festas dos Tabuleiros e da Feira de Santa Iria com comboios carregados de gente que inundava a cidade durantes os dias dos festejos Tempos em que não se reclamava pelos atrasos dos comboios, pela falta de lugares, pelo excesso de calor, ou da gritaria das crianças. Tempos em que não se ouvia dizer mal dos políticos em locais públicos (seria ainda resquícios da ditadura?), nem se insultava ninguém. Mesmos os bêbados quando provocavam alguma algazarra eram olhados com piedade. Tudo era visto com normalidade.

Milhares de viagens, que fizeram nascer em mim sonhos, e a vontade de descobrir outros mundos, criar afetos, e crescer ao som das locomotivas, que ainda hoje moram em mim.

Talvez por tudo isto, quando um jornal de Tomar me convidou para participar numa viagem para jovens no Comboio Ibérico (programa nacional especial para jovens, na década de 80), não hesitei. Foram 12 dias de comboio, com saída de Lisboa, em direção ao Porto, Régua, Salamanca, Madrid, Málaga, Mérida, Faro e regresso a Lisboa. Pernoitávamos no comboio, as carruagens equipadas com beliches (quatro por compartimento), permitiu às largas centenas de jovens oriundos de todos os cantos do país ter uma experiência única com o foco na diversidade cultural da Península Ibérica. Durante 12 dias senti-me verdadeiramente em casa, neste que foi mais um comboio da minha vida.

Comboio Ibérico chegada a Madrid
Comboio Ibérico, década de 80, chegada a Madrid

Foram anos que fizeram do ramal de Tomar o maior, o mais lucrativo e o mais importante ramal dos Caminhos de Ferro Portugueses, a antiga CP.

Mas os tempos mudaram.

E com a massificação do automóvel e a construção de milhares de quilómetros de vias rodoviárias, os comboios foram perdendo a sua importância, acresce ainda os anos de desinvestimento público nesta opção de transporte coletivo, mais limpa para o meio ambiente e mais seguro em comparação com a rodovia, de acordo com a estatística de acidentes de viação.

Ramal de Tomar crónica

O ramal de Tomar ao longo dos últimos anos, perdeu impacto na vida económica da cidade, as suas estações e apeadeiros foram ao longo dos tempos definhando, naturalmente que já foi repensado muitas vezes por quem dirige a ferrovia em Portugal, mas continua a ser importante, não só, para quem trabalha em Lisboa, para o turismo, para os estudantes que vão e regressam ao fim-de-semana, para a própria estação do Entroncamento (que deixa aqui, por vezes, comboios durante horas ou dias, de acordo com as suas necessidades), para a cidade, para a sua identidade, pelo emblemático edifício da estação, que marca uma época no estilo arquitetónico, por todo o simbolismo do seu passado e, fundamentalmente, porque desconhecemos o nosso futuro…

Ramal de Tomar crónica
Edifício da Estação de Tomar

 

Ramal de Tomar crónica
Fachada de azulejos no interior da Estação de Tomar

Quando a 24 de agosto de 1925, há um século, se colocou a primeira pedra, depois a primeira travessa, os primeiros carris, nas terras que se tiveram de rasgar, o sonho tornou-se realidade para uma cidade que se queria ligar ao mundo!

Recordemos e homenageemos hoje, um século depois, todos aqueles que trabalharam e deixaram o seu suor na construção deste Ramal!

Isabel Miliciano

Breves notas históricas

O Ramal de Tomar é uma ferrovia de bitola ibérica com 15,1 km que liga as estações da Lamarosa, na Linha do Norte, à de Tomar, no centro de Portugal. Este ramal foi construído pela Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses numa só fase.

Esta linha-férrea tem a particularidade de ter sido apoiada na sua construção por uma verba de 900 contos (4500 euros), que foram retirados da programada construção do restante traçado da Linha do Sabor, no Nordeste Transmontano, entre Duas Igrejas e a cidade de Miranda do Douro.

O Ramal de Tomar foi inaugurado oficialmente no dia 24 de setembro de 1928 e estiveram presentes as seguintes personalidades, que saíram no comboio presidencial de Lisboa-Rossio às 9 horas e cinquenta minutos: o presidente da República, General Carmona, o ministro do Comércio, o presidente do Conselho de Administração, Sr. Rui Úrica, o secretário-geral adjunto, engenheiro António Cabral, o diretor-geral, engenheiro Ferreira Mesquita e vários generais. O comboio chegou à estação de Tomar pelas 12 horas.

Este ramal beneficiou da sua eletrificação a partir de novembro de 1976.

Circulam diariamente nesta linha comboios regionais diretos de e para Lisboa-Santa Apolónia. A construção deste ramal foi o culminar de promessas de construções de linhas-férreas nesta região e uma pequena compensação para as gentes do Nabão por não ter sido eleita na passagem da Linha do Norte por estas terras. https://tomaracidade.blogspot.com

Saiba o que aconteceu a 24 de agosto de 1925, em Tomar
Um século depois!

 

 

 

 

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