Nersant

Zonas ameaçadas por cheias… e por populismo urbanístico

O rio Nabão é uma ARPSI pertencente à Região Hidrográfica do Tejo desde o primeiro ciclo de PGRI (2016-2021) devido ao seu registo histórico de cheias.

0

A Comissão Europeia, na sequência das cheias ocorridas na Europa Central entre 1998 e 2004, publicou a Diretiva de Inundações (Diretiva 2007/60/CE, de 23 de outubro), que foi transposta para a legislação nacional portuguesa e que estabelece um quadro para a avaliação e gestão dos riscos de inundações. Esta Diretiva preconiza a elaboração e implementação de Planos de Gestão dos Riscos de Inundação (PGRI), que devem ser revistos a cada 6 anos. Nestes planos, são definidas Áreas de Risco Potencial Significativo de Inundação (ARPSI).

O rio Nabão é uma ARPSI pertencente à Região Hidrográfica do Tejo desde o primeiro ciclo de PGRI (2016-2021) devido ao seu registo histórico de cheias. Apesar de a última cheia que assolou a cidade se ter registado em 2013, a cidade de Tomar tem sido vulnerável à ocorrência destes fenómenos hidrológicos[1], com outras cheias a registarem-se em 2006[2], 2000[3], 1989[4], 1979, 1941, 1909[5] e 1852. Obras e limpezas realizadas mais recentemente têm evitado que a cidade inunde. No entanto, com o aumento da frequência de fenómenos de precipitação extrema decorrente das alterações climáticas, há sempre risco de inundações na cidade, sobretudo no centro histórico e nas zonas próximas do rio Nabão. Por exemplo, as últimas grandes cheias em Valência, Espanha, tinham ocorrido em 1957 e, em 2024, as chuvas torrenciais provocaram inundações que mataram mais de 200 pessoas.

Os PGRI definem programas de medidas a ser implementadas em cada ciclo de planeamento para reduzir os impactos negativos das inundações (medidas de preparação, prevenção e proteção antes do evento, e recuperação e aprendizagem após o evento) e é também por isso que são revistos a cada 6 anos: a execução das medidas e a atualização da cartografia podem levar à redefinição das ARPSI.

Os PGRI estão no seu segundo ciclo de planeamento (2022-2027) e, em 2024, iniciaram-se os trabalhos preparatórios para o terceiro ciclo, que se inicia em 2028 e termina em 2033. Em cada revisão, há uma atualização dos eventos reportados e os modelos hidrológicos e hidráulicos são corridos com a melhor base cartográfica disponível, podendo haver alteração na delimitação da ARPSI. A proposta da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) era a de manter a ARPSI do Nabão inalterada do segundo para o terceiro ciclos de planeamento.

No entanto, a Resolução de Conselho de Ministros que aprova os PGRI[6] prevê que os municípios possam solicitar à APA a revisão das cartas de zonas inundáveis para áreas de risco e as cartas de risco de inundações produzidas no âmbito do PGRI, no caso de verificação de inconsistências, devidamente fundamentadas com base em informação mais recente ou de maior detalhe sobre a cartografia e ocupação do território.

Esta foi a intenção do Município de Tomar ao encomendar o estudo hidrológico e hidráulico, que foi aprovado na reunião do executivo de 1 de setembro de 2025[7] e cujo parecer da APA já foi emitido.

Cabe agora ao Município submeter as novas cartas e proceder à alteração dos instrumentos de gestão do território, nomeadamente, Plano Diretor Municipal, Reserva Ecológica Nacional e Plano(s) de Pormenor.

Até que essa revisão produza efeitos legais e urbanísticos, quaisquer anúncios sobre novos licenciamentos são prematuros e carecem de sustentação jurídica e técnica. A responsabilidade institucional deve prevalecer sobre agendas políticas, garantindo a segurança da população e a sustentabilidade do território.

Joana Simões

Licenciada em Eng. do Ambiente pelo IST ;  Mestre em Bioenergia pela FCT/UNL; Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade na UL

Todas as quintas-feiras, receba uma seleção das nossas notícias no seu e-mail. Inscreva-se na nossa newsletter, é gratuita!
Pode cancelar a sua subscrição a qualquer momento

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.