Antes de entrar diretamente no assunto que pretendo abordar, a simbologia da Ordem de Cristo em campos culturais e científicos, devo responder ao leitor que me interpelou se eu não tinha cometido um excesso ao observar que o rei D. Manuel era inequivocamente um rei cruzado, isto quanto está difundida a apreciação de que O Venturoso era um homem do Humanismo e um dínamo político dos Descobrimentos, a par de um inequívoco patrono das artes. Reitero o que disse, e por coincidência estive a ler a obra O Testamento de Adão, o belíssimo catálogo da exposição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses alusiva ao tratado de Tordesilhas, uma edição de 1994, aqui se encontra a bula do Papa Júlio II, e atenda-se ao comentário que acompanha a imagem.

Em 26 de agosto de 1504, Júlio II enviou a D. Manuel um breve com cópia das cartas do sultão de Babilónia, em que este ameaçava destruir os Lugares Santos por causa da expansão portuguesa no Índico. A resposta de D. Manuel, em carta de 12 de julho de 1505, mostra como era sua intenção ir mais longe no combate contra os muçulmanos, atitude já bem patente no facto de ter nomeado D. Francisco de Almeida, em 27 de fevereiro de 1505, como primeiro vice-rei da Índia. Ou seja, o monarca não desdenhava das riquezas trazidas pela Carreira da Índia, mas aspirava tomar os centros nevrálgicos do Islão, era a sua noção de cruzada no início do século XVI. E mais não digo.

Como tenho a sorte de fazer alguma investigação numa biblioteca de enorme valor, a da Sociedade de Geografia de Lisboa, foi aí que tomei conhecimento de um colóquio que ocorreu em 2007 intitulado “As academias em diálogo com a Ciência e a Cultura, o passado e o futuro”, folheando a obra encontrei uma interessantíssima intervenção assinada por Rui da Costa Pinto e intitulada “A simbologia da Ordem de Cristo na Cultura e na Ciência”, damos aos leitores interessados a possibilidade de terem acesso ao texto completo:
https://run.unl.pt/bitstream/10362/65433/1/A_SIMBOLOGIA_DA_ORDEM_DE_CRISTO.pdf.

Em síntese, a Cruz da Ordem de Cristo perde-se na noite dos tempos. Podemos vê-la nas estelas comemorativas apostas nas sepulturas medievais; aparecem diferentes formas: de cruz templária, cruz grega, cruz pátea, ornamento cruciforme e cruz de tau. A cruz de braços idênticos, nas suas feições e medidas diferentes, nomeadamente na cruz templária, mostra-se como um atributo cristão. Trais cruzes aparecem logo a seguir à Reconquista Cristã e até ao século XV, e há mesmo referências ao seu uso posterior. Pode-se dizer que a iconografia cristã conotou a cruz com a imagem da crucificação de Cristo.

Conhecida que é a história da Ordem dos Templários em Portugal, observe-se que a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, fundada em março de 1319 irá ter alterações nas indumentárias dos guerreiros-monges e na forma da cruz: a Ordem do Templo tinha os braços curvos, na Ordem Militar de Cristo a cruz tem os braços diretos com serifas nas extremidades e a branco no centro, que personificava fé, pureza e acolhimento.

A cruz da Ordem de Cristo é procedente da cruz dos Templários, mas as bases das extremidades dos quatro braços aparecem aplanadas; posteriormente as extremidades passavam a ser côncavas.
É no tempo do Infante D. Henrique que muitos navegadores se tornaram cavaleiros da Ordem de Cristo; com D. Manuel a Ordem terá o seu profundo mais envolvimento na empresa dos Descobrimentos. D. João III obriga os monges da Ordem à prática de uma vida de retiro e obtém do Papa a prerrogativa dos monarcas portugueses se poderem tornar para todo o sempre mestres da Ordem de Cristo. A Ordem é suprimida em 1834, mas D. Maria II mantém-na enquanto Ordem honorífica. A República condecora com o grande colar da suprema Ordem de Cristo os chefes de Estado católico notáveis.

Nos séculos XV e XVI foi empregada nas velas das embarcações das Descobertas, como podemos ver nas imagens aqui inseridas. A Cruz de Cristo aparece nas armas do Exército e da Marinha, mais tarde na Força Aérea. Foi o símbolo do Movimento Nacional Sindicalista de Rolão Preto. A Região Autónoma da Madeira tem a Cruz da Ordem de Cristo na sua bandeira, recorde-se que foi descoberta por dois cavaleiros da Ordem de Cristo, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira. Vemos a Cruz de Cristo na seleção portuguesa de futebol, no clube de futebol Os Belenenses e no navio Sagres.

O autor do artigo menciona também um monumento manuelino em estado de degradação, a Torre das Águias, aqui todas as chaves e mísulas das abóbadas mostram bocetes com decoração manuelina, cruzes da Ordem de Cristo e motivos vegetalistas e geométricos. Mesmo no período da chamada arte manuelina, a Cruz de Cristo marcou presença: no Palace Hotel do Buçaco, nos paços do concelho de Sintra e na Quinta da Regaleira. E será grande motivo ornamental na Exposição do Mundo Português de 1940.

Parece ter grande significado no levantamento a que procedeu Rui da Costa Pinto a ilação que acompanha todas estas imagens: é a mais representativa cruz da História de Portugal, uma simbologia que utilizamos como o mais afetivo cartão de visita pelo mundo fora.


Mário Beja Santos
Artigo publicado na edição impressa, do Jornal O Templário, na edição de 08/05/2025.