A Janela de Tomar: Entre o Céu e a Terra, a Fé e o Saber apresentada no livro de Jorge Mascarenhas
“As pedras falam. Só é preciso escutá-las com paciência.”

Em Tomar, no coração do Convento de Cristo, cada pedra parece respirar história. Mas, para o arquiteto e investigador Jorge Mascarenhas, essa história não é apenas o que se vê — é o que se descobre. “Quando eu desenho, encontro detalhes que a fotografia não mostra”, diz, enquanto percorre com o dedo o contorno da célebre Janela do Capítulo.

“Ao desenhar, procuro tudo com muito detalhe. É assim que os segredos aparecem.” Jorge dedica-se há anos a estudar o simbolismo manuelino da janela, um dos maiores enigmas do património português. “O lado espanhol representa a harmonia, o lado inglês a desorientação”, explica, apontando as figuras que emergem da pedra: anjos, monstros, raízes cortadas, cães e porcos. “Os cães simbolizam fidelidade. Os porcos, desonra. Do lado inglês tudo corre mal — é o aviso de D. Manuel a uma Inglaterra que se afasta da fé católica.”

Essa leitura iconográfica nasce de uma interpretação ousada da história. Jorge relaciona o imaginário manuelino com a pintura Os Embaixadores, de Hans Holbein, feita na mesma época. “Na pintura, dois embaixadores franceses tentam convencer os ingleses a não sair do mundo católico. É o ‘Brexit’ do século XVI”, sorri. “D. Manuel faz o mesmo: quer conciliar, não romper.”

O arquiteto explica que a janela não é apenas uma alegoria religiosa, mas também científica e política. “Dom Manuel conhecia a teoria heliocêntrica de Copérnico, mas representou-a de forma simbólica, para não chocar o mundo espanhol. A janela é um manifesto: marca o fim do Antigo e o início do Novo Testamento, uma nova era com ele próprio como mediador entre o céu e a terra.” Os seus desenhos minuciosos revelam símbolos quase invisíveis a olho nu — cápsulas de papoila, alcachofras, raízes, alianças submersas. “A papoila era sinal de coragem, pureza e cura. A alcachofra representa purificação. E D. Manuel acreditava estar a criar um novo império da fé, o Quinto Império.” Entre os elementos, surgem ainda os cães dominicanos, “os Dominicane, os cães de Deus”, que simbolizam a vigilância religiosa. “Eram como uma polícia da fé. Vigiavam e purificavam almas — era o braço espiritual do projeto manuelino.”

A conversa com Jorge rapidamente se transforma numa viagem pessoal. Nascido em Angola, filho de família goesa católica, a sua vida é marcada por fugas e recomeços. “Fugimos da guerra em Angola, depois vivemos em Goa, Macau, até chegar a Lisboa. Passei por guerras, bombardeamentos, campos de refugiados. Vivi na Cáritas antes de regressar a Angola e, mais tarde, vim definitivamente para Portugal.” Com 14 anos, ganhou uma bolsa da Gulbenkian e foi sempre estudando até se tornar arquiteto com nota máxima.

Hoje, o seu nome está associado a estudos sobre o património e à autoria de livros como O Azulejo: Arte e Técnica, obra de referência nas livrarias da FNAC. No Convento de Cristo, a sua investigação vai mais longe do que a pedra. Ele propõe uma nova leitura da estrutura do edificado: “A Charola não é uma igreja. É um batistério, como os de Itália, sempre de planta octogonal, à entrada do templo. A verdadeira igreja está por baixo — uma gótica, outra renascentista. Duas épocas, duas visões do mundo.” A sua análise detalha ainda a separação entre o sagrado e o profano, o clero e o povo, a influência espanhola e italiana na arquitetura manuelina. “O D. João III quis afastar os monges da população e criar uma nova linguagem arquitetónica. Em Tomar, cada arco, cada abóbada conta essa transição.” Com um olhar de artista e historiador,
Jorge encerra o seu livro e sorri. “As pedras falam. Só é preciso escutá-las com paciência.” E assim, na penumbra do Convento, entre símbolos de fé, ciência e poder, a janela de Tomar continua a abrir-se — não apenas para o passado, mas para a descoberta de um Portugal que, entre o misticismo e o humanismo, procurou conciliar o mundo. E foi precisamente isso que apresentou no passado sábado — dar voz ao silêncio de séculos, na pedra «viva» do Convento de Cristo.

O lançamento do seu 21º livro Convento de Cristo – Os segredos Revelados através da Arquitetura,ultrapassou todas as expetativas com um numeroso público atento a cada palavra, a cada pedra deste património da humanidade. A apresentação do mesmo esteve a cargo da professora Cristina Azevedo Tavares.
Artigo baseado na entrevista que Jorge Mascarenhas concedeu ao Jornal O Templário
Isabel Miliciano
Fotos: Convento de Cristo


