Na hora do adeus, Francisco Silva relata momentos únicos que ficam para a história do Café da Nabância

O emblemático Café da Nabância que fez parte do projeto social que a extinta cooperativa de habitação tinha para a comunidade residente, vai mudar de mãos. 

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O emblemático Café da Nabância que fez parte do projeto social que a extinta cooperativa de habitação tinha para a comunidade residente, vai mudar de mãos. 
Durante 40 anos, um dos rostos principais desta casa, Francisco Silva, fala-nos com emoção do tempo, uma vida, que ali viveu, e na hora do adeus, garante que leva a todos, clientes, fornecedores e amigos, no coração. Também nós vamos ter saudados do «Chico da Nabância» 

Na hora do adeus, Francisco Silva relata momentos únicos
Francisco Silva (Chico da Nabância)
Francisco Silva começou a trabalhar na restauração muito cedo, ainda era um menino, com pouco mais de 10 anos, quando iniciou a profissão que viria a ser aquela que toda a vida abraçou. Passou 13 anos pelo antigo café Diogo (já não existe), foi o primeiro empregado da Tendinha, a funcionar na rua dos Arcos, teve uma passagem ainda por um supermercado que existiu na rua Infantaria 15 (rua do cinema como o próprio refere).
Há 40 anos veio para empregado do café da Nabância, juntamente com António Maria, o Júlio e a Graciosa (antigos funcionários que há data de 31 de março, já estavam há vários anos afastados da atividade diária por motivos de reforma.
Na hora do adeus, Francisco Silva relata momentos únicos
Francisco Silva junto ao balcão
Foram funcionários da Cooperativa Nabância até 1995, altura em que lhes foi proposto, pela própria Cooperativa, serem os próprios a explorarem o café. Os três formaram uma sociedade comercial que durou até hoje (António Maria quando se reformou vendeu a sua quota ao genro da Graciosa), celebraram um contrato com a Cooperativa Nabância, renovável de cinco em cinco anos. E assim a partir daquele ano tomaram os destinos deste café, que sita no coração da área habitacional da Nabância, e foi ao longo destes anos um ponto de encontro entre moradores, amigos, familiares e público em geral. Durante anos o espírito ali vivido era o de uma grande família onde se discutia política, futebol, e os acontecimentos do quotidiano de uma cidade.
Da sociedade comercial, Francisco Silva foi o que permaneceu até ao fim, uma vez que continuava a trabalhar diariamente no café. Conta-nos que começou a trabalhar com 10 anos de idade, e hoje já soma 62 anos de profissão. É uma vida!
Mas estes últimos 40 anos estão-lhe gravados no coração, viu chegar e partir muita gente. Nascer e morrer. Acompanhou aqui muitas gerações. Durante longos anos era uma casa cheia “tínhamos aqui um salão de jogos, tínhamos jornais, revistas, os jogos da Santa Casa… Mais tarde quando construíram o campo de futebol da Nabância, a casa enchia enquanto decorriam os jogos, era uma casa com muita vida…”, relata.
Francisco Silva é um adepto fervoroso do Benfica, e sempre que o clube jogava, viva-se ali quase um momento de culto. Numa das épocas desportivas em que o Benfica foi campeão, no dia a seguir os clientes depararam-se com uma passadeira vermelha da porta ao balcão, em homenagem ao clube do seu coração. Francisco Silva compartilhava com os clientes as alegrias que o Benfica lhe dava. Mas um dos momentos mais altos, no que diz respeito a futebol, viveu durante o Euro 2004, quando Portugal conquistou o título de campeão europeu. Durante os jogos a imagem do Santo António (apesar de ser devoto de São Francisco de Assis) e uma velinha acesa junto à televisão eram amuletos obrigatórios para dar sorte à equipa portuguesa. No dia da grande final, frente à seleção da França, Francisco Silva e alguns clientes do café ajoelharam junto ao televisor à espera do apito final e de uma vitória que enchesse, não só o coração dos que acompanhavam o jogo, no café da Nabância, mas o de um país inteiro. O mesmo se repatia quando havia penaltis a favor da seleção portuguesa.
Mas muitas outras histórias ali viveu, algumas mais infelizes que outras, o café foi assaltado 14 vezes. Os roubos incidiam sempre no tabaco, uma das vezes roubaram os bilhetes da lotaria, raspadinhas e todo o dinheiro que estava nas máquinas do tabaco. Mas chegou a saber-se quem foi… um dos assaltantes mais tarde acabou por morrer na prisão. Por outra altura, um indivíduo também roubou, pelo menos 500 euros. Foi à caixa e roubou, Mas Francisco Silva viu e conseguiu recuperar o dinheiro após o homem ter fugido para a casa de banho, foi lá que largou as notas dentro do lavatório. A cena ainda deu facada, mas nada de grave.
Francisco Silva junto ao balcão
Café da Nabância
Ultimamente, o café da Nabância vinha a dar sinais que os tempos áureos iam ficando cada vez mais lá atrás. Francisco Silva considera que um dos motivos foi abertura de outros espaços do mesmo ramo nas imediações, pois durante anos foi quase o único café a funcionar naquela zona. Também deixou de haver jogos de futebol com frequência e a população residente está cada vez mais envelhecida, e a somar a tudo isto o período da pandemia não foi nada benéfico, deixou sequelas principalmente na mudança de hábitos.
Por último, Francisco Silva recorda ainda os fornecedores, alguns de longa data, muitos tornaram-se amigos, são como família, refere emocionado “fui cliente da Delta quase 40 anos, das Estrelas de Tomar desde o início.
Quanto ao futuro do café da Nabância, encontra-se encerrado desde do passado dia 1 deste mês, até o novo arrendatário o reabrir. Recorde-se que o espaço é propriedade da Câmara de Tomar, e que através de concurso público, surgiu um candidato disposto a arrendá-lo à autarquia.
Não poderia terminar esta história sem referir que O Templário teve a sua sede durante 15 anos paredes meias com o Café da Nabância. Fomos clientes e damos uma excelente nota de grande simpatia, de competência e profissionalismo ao Chico e à Graciosa, os últimos  com quem privámos. Foram anos a fio de cumplicidade. O filho do Sr. Francisco, Pedro Silva, exímio escritor acabou por colaborar durante vários anos com o nosso jornal. Um tomarense com um legado que muito honra a sua terra natal.
Quando um dia alguém fizer a história da cooperativa Nabância e, em particular, do seu café, Francisco Silva terá um dos papéis principais, pois marcou a  vida daquele espaço, onde trabalhou quase meio século de vida.
Artigo publicado na versão impressa do jornal O Templário de 03-04-2025
Isabel Miliciano  
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