Ainda sou do tempo dos lagares de tapetes: um lamento pelo abandono da Cooperativa de Montes

Por Conceição Godinho

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Lembro-me bem — ainda sou do tempo em que os lagares de azeite usavam mós de pedra e tapete para transformar a azeitona em azeite. Os lagareiros espalhavam-na em camadas sobre os tapetes de esparto, empilhados no interior da prensa de seivas. Cada camada de pasta era coberta por outro tapete, e quando apertavam a prensa, o azeite começava a escorrer, gota a gota.
Houve tempos, em que o azeite era precioso quase como ouro na vida cotidiana: servia não só na alimentação, mas também para as lamparinas que clareavam as noites antes da chegada do candeeiro a petróleo.
Ainda sou do tempo dos lagares de tapetes: um lamento pelo abandono da Cooperativa de Montes
O Lagar de Montes foi construído pelos habitantes da localidade. Todas as famílias ou quase todas foram sócias deste lagar. Vale ainda recordar que o meu avô paterno foi um dos sócios fundadores deste lugar cooperativo — orgulho de gerações que uniram forças em redor de um mesmo propósito: extrair o melhor azeite do lugar.
Entre os anos 30 a 50 o meu avô passava os meses de inverno a transformar a azeitona que chegava, em azeite. A minha avó levava-lhe o almoço pois as máquinas não podiam esperar e as azeitonas das tulhas aguardavam.
O ritual comunitário envolvia famílias inteiras. As várias moagens eram tão concorridas que havia lista de espera para o moinho. Cada sócio tinha a sua tulha, onde depositava azeitonas misturadas com sal para conservar até ao dia da sua vez. Até chegar a nós, a ansiedade crescia: contávamos os dias para levar a nossa cota e sentir o cheiro quente que emanava do lagar.
Ainda sou do tempo dos lagares de tapetes: um lamento pelo abandono da Cooperativa de Montes
Hoje, porém, vejo com tristeza que o lagar dos Montes, na freguesia de Olalhas, jaz ao abandono. O velho lagar que era da gente do lugar… As paredes de pedra estão sem telhas, invadidas pelo mato; o pátio, onde se empilhavam as alfaias, deu lugar a silvas e ervas daninhas. Não sei o que ainda estará debaixo do teto desabado e das balsas que cobrem as ruínas — será que ainda repousa lá alguma máquina da cooperativa, um vestígio esquecido, quase um desdém à memória de quem fomos e de onde viemos?

Ainda sou do tempo dos lagares de tapetes: um lamento pelo abandono da Cooperativa de Montes É uma dor profunda assistir à morte silenciosa desse património: cada pedra caída representa a história de famílias que ali trabalharam em comunhão, à espera da sua vez de ver o azeite na prensa de tapetes. O lagar cooperativo do lugar dos Montes merecia ser restaurado, transformado num ponto de memória viva, onde os jovens pudessem aprender o valor do azeite artesanal e o papel que ele teve na nossa alimentação e iluminação doméstica.

Enquanto isso, continuarei a repetir: ainda sou do tempo dos lagares de tapetes. E, enquanto a saudade apertar, direi alto que o lagar está em ruínas, esquecidos pelo progresso, mas guardado para sempre na minha memória.
Houve em tempos um grupo de homens que passavam de casa em casa, pedindo e anotando donativos, com promessas de modernização tecnológica. O que foi feito com esse dinheiro?
Ainda sou do tempo dos lagares de tapetes: um lamento pelo abandono da Cooperativa de Montes
Seria ótimo se pudéssemos preservar a arquitetura original do edifício e proporcionar aos visitantes uma imersão nas técnicas tradicionais de produção de azeite, destacando a importância histórica e económica deste produto na região.
Seria bom recuperar para exposição o antigo escritório e as tulhas de armazenamento Exposição a maquinaria original do lagar. Seguem fotos do Museu do Azeite de Belmonte.
Conceição Godinho
Fotos: Luís Graça
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