O Modernismo na Arte Portuguesa, por José-Augusto França

Por: Mário Beja Santos

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mkoO nome de José-Augusto França é indissociável de livros de bolso com sínteses admiráveis de grandes temas. Na saudosa Coleção Breve do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, o seu nome aparece ligado a obras de divulgação sobre Lisboa Pombalina, a Arte Portuguesa de Oitocentos e o Modernismo na Arte Portuguesa, este editado em 1991, já em terceira edição.

Não é entendimento consensual dos especialistas quanto à génese e níveis ou graus evolutivos do Modernismo. O seu conceito é polémico na justa medida em que critica e pretende superar os academismos, as expressões classicistas, o próprio simbolismo. Almada Negreiros produziu o Manifesto Anti Dantas em que procurou ridicularizar o discurso verboso e pomposo, a inocuidade dos temas, a fiel reprodução de formas e figuras nas Artes Plásticas como se a natureza e a humanidade saíssem obrigatoriamente de modelos a trabalhar em ateliês para descanso da consciência do artista.

O início da I República, em 1912, realiza-se a I Exposição dos Humoristas e Amadeo Souza-Cardoso aparece em cena, multíplice, ainda convencional, depois cubista e abstrato, expressionista e marcado pelo futurismo. Dir-se-á que todo este movimento irá revoltear os conceitos estéticos até então predominantes, com os seus valores naturalistas, o movimento impressionista atraía a curiosidade destes jovens que iam estudar a Paris, caso de Eduardo Viana e Emmérico Nunes, Amadeo partira para Paris em 1906, morrerá muito novo, vítima da Gripe Espanhola, mas deixará, entre todos eles, a obra mais audaciosa. As exposições dos humoristas atraíam Almada Negreiros, Jorge Barradas e Cristiano Cruz.

 

Na Sociedade Nacional de Belas-Artes apresentava-se também o novo gosto através de Domingos Rebelo, Dordio Gomes e Mily Possoz. Impunha-se um gosto mundano, buscava-se novos temas de graça e de capricho, o Modernismo era tema de conferências, dava forma às capas das revistas, surgia em caricaturas, no desenho, no carvão, na aguarela e no óleo.

Jovens entusiasmados não só por aquilo que nasce em Paris mas também por estéticas aparentemente antagónicas como o futurismo e o construtivismo. Reúnem-se em meios intelectuais pintores e escritores, poetas e coreógrafos, provocam escândalo com a revista Orpheu, envolvem-se na polémica do futurismo, tudo isto em plena I Guerra Mundial, em 1917 os Ballets Russos apresentam-se em Lisboa, pelo norte do país instala-se um casal, os Delaunay, que atraem Almada e Eduardo Viana, entre outros.

Por esta altura o abstracionismo já ganhara raízes, caso dos Delaunay que traziam um colorido dinâmico a que as estruturas cubistas não eram alheias. José-Augusto França traça uma narrativa cheia de vivacidade, mostra as idas e vindas destas figuras de rutura como Santa Rita Pintor, Amadeo ou Almada, e enuncia, num texto colorido e movimentado quem foram estes pintores e escultores de duas gerações, pois há como que uma primeira geração que se diluirá em 1940 e uma outra que marcará presença nas Artes Plásticas até ao fim dos anos 60, mantendo-se completamente alheia às correntes tradicionalistas e mesmo ao neorrealismo.

Essa primeira geração possui figuras cimeiras como Eduardo Viana, Francisco Semide, Abel Manta, Dordio Gomes, o inevitável Almada, o mais malabarista dos modernistas, a quem José-Augusto França dedicou um estudo notável. Ainda que irreverente, Almada não se furtou a obras para o Regime, é autor do cartaz a apelar no voto da Constituição de 1933, deixou-nos requintados vitrais de inspiração medieval na primeira igreja modernista, Nossa Senhora de Fátima, elaborará  um vasto planisfério de elegante fantasia formal no novo edifício do Diário de Notícias, estará ativíssimo na Exposição do Mundo Português, em 1940.

E vão emergindo outros nomes, Carlos Botelho, Mário Eloy, Júlio (ou Júlio Reis Pereira), Dominguez Alvarez, António Pedro, Canto da Maia. E assim chegamos à arquitetura modernista, com nomes consagrados na rutura com o Classicismo: Jorge Segurado, Cristino da Silva, Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Cottinelli Telmo, grupo que entrará em choque com a corrente nacionalista, tinha à frente uma figura iconográfica, Raul Lino.

Duas figuras importantes do Estado Novo, Duarte Pacheco e António Ferro, terão as suas claques de apoio, Ferro é manifestamente futurista, Duarte Pacheco não esconde a atração por uma certa monumentalidade, aliás quando a cidade crescer será na Praça do Areeiro que se chegará a um compromisso  com reminiscências da pomposidade do fascismo italiano, algo ainda seiscentista e tradicional com as linhas modernistas.

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Painel de Eduardo Néry, no Núcleo de Arte Contemporânea

Não se poderá esquecer esta breve viagem sobre o Modernismo o que foi o pensamento estético e como se manifestou a ação artística. José-Augusto França destaca José Pacheko, um caso raro de espírito empreendedor e inventivo, foi ele que publicou em 1922 uma revista determinante para o movimento modernista em Portugal, a Contemporânea.

O espaço público, as galerias, os cafés e bares, as fachadas dos prédios, não fugiam ao novo espírito modernista: o Bristol-Club, a Brasileira do Chiado, o importante Salão de Outono de 1925, os anos 20 viram multiplicar-se as exposições individuais de Eduardo Viana, António Soares, Mário Eloy, Abel Manta, José Tagarro, Diogo de Macedo. Proliferam as publicações: as capas de Jorge Barradas para a ABC, a Ilustração, o Magazine Bertrand, o Notícias Ilustrado, os magazines femininos a Voga e Eva, mas também a Seara Nova, a Revista de Portugal e outro marco miliário, a revista Presença que cobriu todo este período modernista entre 1927 a 1940.

António Ferro esmera-se para atrair os modernistas ao Estado Novo, cria prémios, facilita exposições. Aparecem galerias de Arte, de vida efémera. Em plena Europa em guerra, Salazar dá luz verde para a Exposição do Mundo Português, mistura tradicionalistas e nacionalistas com modernistas, alguns dos nomes soberanos das Artes Plásticas ali irão trabalhar. E constrói-se entre o majestático, do tipo nazi-fascismo e o sonho nacionalista português: o Estádio Nacional, a fonte monumental na Alameda Afonso Henriques, a estátua de D. João IV em Vila Viçosa. Esse 1940 é simbolicamente um ponto de viragem. António Pedro e António Dacosta inauguram uma exposição de pinturas surrealistas.

Nada ficará como dantes, o modernismo mudará de look e de natureza. Se em 1911 se procurava expulsar o romantismo e introduzir nas Artes Plásticas os sinais de uma vida moderna, com comboios, automóveis, novos traços, novas formas, esta primeira geração onde não se pode esquecer o papel determinante de Fernando Pessoa invadiu tudo, desde a imprensa à arquitetura. É claro que o Modernismo teve que pagar a proteção do Estado, isto enquanto Duarte Pacheco era exigente no passado ilusório, tudo pesado e bem antigo, como fosse para durar. E na nova década o Modernismo terá que se adaptar, enfrenta novas estéticas, e sempre em conflito com o tradicionalismo, agora, como numa vanguarda emerge o neorrealismo e o surrealismo, estéticas que se relacionarão como o cão e o gato…

Uma obra de divulgação primorosa que nos doou José-Augusto França, o leitor tem o privilégio de poder visitar algumas destas obras modernistas no Núcleo de Arte Contemporânea, seguramente que ficará deslumbrado.

Mário Beja Santos

 

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