Democracia participativa: entre a lei e a prática no poder local

Por: Joana Simões

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A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 48.º, incentiva a participação dos cidadãos na vida pública, concedendo-lhes o “direito de ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas”, nas quais se incluem os municípios e freguesias, órgãos do poder local mais próximos dos cidadãos.

A forma mais comum de participação dos cidadãos tem sido através do seu voto, que delega num conjunto de pessoas, na maior parte dos casos ligadas a partidos políticos, as decisões e a governação dos assuntos que os afetam, confiando-lhes a condução dos destinos do seu município e freguesia por um período que pode ir de 4 a 12 anos.

O escrutínio das decisões e opções dos nossos governantes locais tem sido tradicionalmente feito pelos cidadãos nas urnas, mas estão consagrados na lei outros instrumentos de participação cívica, como o associativismo (Artigo 46.º da Constituição), voluntariado (Decreto-Lei n.º 389/99, de 30 de setembro), direito de petição e direito de ação popular (Artigo 52.º da Constituição).

A Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, tornou possível uma participação ainda mais ativa dos cidadãos, permitindo-lhes apresentar listas para a eleição dos órgãos das autarquias locais, numa tentativa de responder à desilusão e descontentamento com a atuação dos partidos políticos locais e em prol de municípios mais sustentáveis, justos e com melhor qualidade de vida.

Mais recentemente, as redes sociais têm vindo a constituir novas formas de participação e mobilização cívica, coexistindo com as formas mais tradicionais. A distribuição de informação a partir destas redes é imediata, gratuita e pode ser manuseada/ alterada e retransmitida facilmente, permitindo que pessoas comuns desenvolvam canais de comunicação libertos do controlo de autoridades políticas, económicas e sociais, abrindo também espaço a distorções e mentiras, propagação de valores ofensivos/ insultuosos, escudando-se em modos anónimos para destilar ódio e criticar sem fundamentação. Estes novos meios de participação e mobilização cívica ainda não estão devidamente regulados e por isso ainda não são considerados nos processos de tomada de decisão.

Para assegurar uma participação informada, construtiva e suportada em pareceres técnicos e relatórios baseados em evidências, é fundamental a disponibilização da informação por parte do poder local em sites e redes sociais oficiais e à distância de poucos cliques. No entanto, estes órgãos do poder local ainda dificultam o acesso à informação, não a divulgando nos seus sites e redes sociais ou no portal participa.gov, não respondendo aos pedidos de esclarecimento dos cidadãos, e estabelecendo prazos de consulta pública demasiado curtos para a análise de projetos do interesse dos cidadãos e apresentação de contributos e sugestões de melhoria. É o caso da Câmara Municipal de Tomar. O site é difícil de navegar e esclarecimentos pedidos em 2023 sobre gestão do arvoredo urbano ainda não foram prestados.

Os cidadãos que podem e até querem pôr o seu conhecimento técnico e científico ao serviço da comunidade e dos seus municípios, perante tais obstáculos, acabam por desistir e prescindir do seu direito de exercício de cidadania, tal a dificuldade de obter informação e esclarecimentos dos seus municípios.

Ao colocar entraves à participação pública dos cidadãos, todos perdem: os técnicos, que elaboram projetos e estudos muitas vezes sem um conhecimento aprofundado dos problemas existentes, conhecimento esse que os cidadãos podem ter e até alertar para outros problemas que possam existir e que não estavam a ser equacionados; os decisores políticos, por tomarem decisões menos informadas, cujas consequências poderão fazer-se sentir demasiado tarde; e os cidadãos, por não verem melhorias na qualidade de vida e um desenvolvimento sustentável dos seus municípios.

A democracia constrói-se diariamente e fortalece-se com a participação pública, garantindo que as políticas públicas são orientadas para as necessidades dos cidadãos e para a criação de municípios mais sustentáveis, inclusivos e onde dá gosto viver. Ignorar a voz dos cidadãos enfraquece a democracia e a representatividade dos eleitos.

Os cidadãos só podem participar ativamente na vida pública se as instituições forem transparentes, facilitarem o acesso à informação e encorajarem essa participação com prazos de pronúncia adequados à complexidade dos projetos em análise.

Joana Simões
Licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico
Mestre em Bioenergia pela Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa
Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade na Universidade de Lisboa

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