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O Claustro de D. João III em Tomar, por Vieira Guimarães

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Dr. Vieira Guimarães

Médico cirurgião, académico, Vieira Guimarães é indiscutivelmente um dos estudiosos de referência do Convento de Cristo. Daí a importância que podemos atribuir a este trabalho publicado em 1931 que o autor disse destinado a letrados e iletrados, foi generoso no sentido da divulgação mas na verdade o seu trabalho dirigia-se primacialmente a não-leigos, dado o glossário e as considerações historiográficas expendidas.

Logo a explicação do que é um claustro na vida monástica, dá-nos um histórico a partir dos Beneditinos, os principais estilos, os materiais utilizados, não deixando de referir algumas das obras-primas do claustro em Santo Tirso, Alcobaça, nas sés de Coimbra, Lisboa, Évora e Porto, Santarém, Batalha e obviamente o Claustro do Cemitério e o Claustro da Lavagem em Tomar, rematando com o Claustro dos Jerónimos. Menciona os seis claustros construídos no reinado de D. João III e prossegue a sua análise com os ideais arquitetónicos do Renascimento e como eles nos aparecem aplicados fundamentalmente no claustro que ali está a apreciar na estilística e na composição.

Sabe-se que o Rei Piedoso não se conformou com o primitivo claustro e exigiu nova lavra. Onde? “Entre o antigo acabamento da muralha da fortaleza templária, pelo lado poente, – já a estas horas alargada em terraço para dar adito à formosa obra da Igreja e também à fronteira e sumptuosa Casa do Capítulo, – e o edifício do comprido corredor das celas do dormitório em cima, o refeitório no meio e em baixo a adega e o lagar, existia uma larga ravina, na direção do Sul, a qual partia do pequeno Claustro de Santa Bárbara e da rendilhada Igreja de D. Manuel indo morrer no vale que, do alto das colinas do Ocidente, se dirigia para a planície, onde se levantavam as casas da então florescentíssima Tomar”.

Houve a necessidade de construções para fundamentar o assento e João de Castilho recebe instruções em documento de 1533, Vieira Guimarães mostra o que teria sido o projeto inicial que irá conhecer substanciais alterações. Diogo de Torralva é nomeado em 1554 mestre das obras do Convento de Tomar e lembra o autor que ao tempo eram bem precárias as finanças do Estado, mas o monarca empenhou-se em que as obras do claustro prosseguissem.

Vieira Guimarães aproveita para distinguir os itinerários estéticos de Castilho e Torralva e mostrar as diferenças entre o projeto inicial e o claustro tal como o vemos hoje. Um exemplo: “As abóbadas de Castilho eram inferiores dois palmos às de Torralva e que estas seriam feitas pela ordenança de novo debuxo e, além disso, as paredes da nova obra que se ia levantar e que se levanta hoje em Tomar, todas elas são erguidas em novos alicerces que se abriram então de propósito e não são os da obra de João de Castilho; a qual desapareceu por completo, pois isso obrigava a nova feitura arquitetónica que lhe foi dada por Torralva que não mascarou a obra de Castilho, sobrepondo-lhe o classicismo de Andrea Palladio”. E dá-nos conta da distinção entre o primeiro período do Renascimento e a atração italiana, algo de fundamental que separa Castilho de Torralva.

Vieira Guimarães disserta abundantemente sobre o que não se sabe de Torralva quanto à origem e preparação, especula quanto aos seus mestres de culto, caso de Palladio e Sansovino, as viagens que hipoteticamente terá feito a Itália, reflexões que possam contribuir a obra de opulenta compostura que se implantou em cerca de 1300 metros quadrados que o médico e investigador, numa linguagem quase de apoteose, assim descreve:

“Tem obra de Torralva um octógono por base, visto os seus cantos serem cortados por corpos onde foram postas, no andar superior, norte-nascente e sul-poente, as caixas das escadas para o erado, o denominado Terraço da Cera. Num inferior e correspondendo àqueles, colocou toalheiros, isto é: neles estavam toalhas penduradas de cabides apropriados, principalmente no que está defronte do refeitório e ao pé do lavatório, o que nos faz ver a intenção de Torralva, de perto daquele levantar um lavatório.

Em cada lado dos maiores abrem-se na galeria inferior três bem lançados arcos de volta redonda que são ladeados por seis monolíticas colunas toscanas destacadas que sustêm em ressalto o entabulamento que corre também por cima daqueles. Este entablamento ressalta no pegão intercolúnio, onde se abrem portas e por cima das molduras, em que pousa a arcada, janelas.

Servindo de assento, este entablamento sustenta igual número àquele de monolíticas colunas jónicas que se levantam na linha das toscanas, descansando, também em ressalto, sobre elas, a arquitrave, mais moldurada do que aquela, o friso enriquecido com elegante cachorrada que suporta a cornija com o seu acrimal, onde se salientam umas biqueiras apropriadas”. E a descrição prossegue, minuciosa, e bem se percebe com este tom empolgante como Vieira Guimarães apreciava fazer de guia ao claustro, ciente que mostrava uma obra esplendorosa, ímpar, da linhagem italianizante que conservamos nalguma da nossa melhor arquitetura.

Estudioso probo, tudo documentando, até para comprovar que Terzi pouco deixou de seu nas obras finais. Vieira Guimarães de vez em quando metia-se em cavalarias altas, discutindo matérias para as quais tinha reduzido a preparação, e lança-se a terreiro a defender D. João III por causa do estabelecimento da Inquisição. Os argumentos que usa são falazes e casos há em que mistura alhos com bugalhos.

Numa tentativa de querer reabilitar o monarca, lembra que já no reinado de D. João II, este rei inquiriu em 1487 sobre o modo de viver de judeus vindos de Espanha, e recorda que D. Manuel em 1515 encarregara o seu embaixador em Roma de conseguir o estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício para que fossem castigados os judeus relapsos perseguidos por Castela. E formula uma pergunta, hoje totalmente desbocada: Se não se tivesse empregado o Santo Ofício o que nos teria sucedido perante o judeu cosmopolita e o protestante revolucionário.

E contrariando as regras do rigor historiográfico, arvora-se em juiz: “E que culpa pode caber a D. João III, que a solicitou na melhor das intenções e necessidades, e como satisfação a dar aos contínuos rebates da opinião pública que em 1503, 1504, 1506, 1515, 1525, 1531, com tanta evidência patenteou, em atos de justiça popular, pelos excessos que a Inquisição viria a praticar? Ao menos, naquele tribunal ainda havia processos que, bem ou mal organizados, processo era, mas agora: o crê ou morres que nos ficou com o sangue árabe, a flora e o passado desta para outra vida é simples e correntio”.

E não deixa de exaltar as transformações positivas que ocorreram durante o reinado do Rei Piedoso, a começar pela criação dos Correios até à organização dos serviços públicos. Tudo isto num total despropósito dentro de um trabalho que tinha e única e exclusivamente a ver com a arte e ciência dessa obra-prima que dá pelo nome de Claustro de D. João III. Louvor ao estudioso da arquitetura e esqueçamos o completo dislate sobre o Santo Ofício e as considerações raciais, hoje totalmente anacrónicas.

Casa Dr. Vieira Guimarães, na  Rua Serpa Pinto (Corredoura)

Mário Beja Santos

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