Os gigantes com as mãos no barro

Exposição que encerra hoje, dia 3 de outubro, no Complexo da Levada em Tomar

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Por: Mário Beja Santos


    Atenda-se ao título da exposição, tem a ver com os sítios do barro, matéria-prima milenar, prendada em arte e ofícios, com multiplicidade de aplicações e veja-se a adequação de exibir os prodígios da olaria num espaço onde houve lagares, onde se chegou à Central Elétrica, num território da economia dinâmica da Ordem de Cristo e veja-se como bate certo, graças à novas conceções da museologia e da museografia, mostrar a fragilidade dos materiais, como eles são conspícuos à nossa sensibilidade, e até à memória, a série de objetos em barro que existiram nas cozinhas dos nossos ancestrais, de onde foram expulsos por alegadas razões de saúde pública ou porque quem cozinha já preferiu alumínio e hoje satisfaz-se com o aço inoxidável, os materiais antiaderentes, a bateria de cozinha evoluiu e o barro passou à categoria de arte decorativa.

É bom que se exiba a fragilidade, “tantas vezes vai o cântaro à fonte…”, até o poder, os impérios são periclitantes e daí se falar nos gigantes com pés de barro.

O que mais aprecio nestas exposições é que cada um tem completa alforria para ver e interpretar como lhe apetece. Por mim, no espaço preambular, senti-me bem a ver aquelas bilhas (pequenas talhas?) a apontar para o rio, tomo o código como uma sinalização do lugar, a olaria não vive sem a água, estes artífices vêm da noite dos tempos, os objetos que hoje produzem vão da utilidade para medidas, vasos de jardim, peças que adornam a cantaria, que sei eu, até o trabalho artístico e logo nos assalta a memória a Rosa Ramalho, o Mistério, o José Franco.

Estes artífices que tenham orgulho com o seu bilhete de identidade, lembrem-se de Rafael Bordalo Pinheiro que andou pelas Caldas da Rainha a fabricar obras geniais, do útil ao decorativo, divertindo-se à grande com o Zé Povinho, os ataques a John Bull, tudo quanto saía da sua fábrica podia albergar-se em casa de gente pobre, de grandes burgueses, de peralvilhos endinheirados, aristocratas. E se há imagem que mais me conforta o espírito são as mãos no barro, o íntimo movimento da criação que vai do informe ao objeto, as mãos embebidas nessa mesma criação, parece que delas emana a carne viva da inspiração.

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Ocorreu-me tratar-se de uma instalação, visto de perto é o contágio das materiais que importa, com cerâmica tudo se transforma, fica tudo mais vistoso, sente-se alegria e leveza, posicionou-se muito bem a peça, é um ponto intermédio, temos outras leituras pela frente.

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Andei de trás para a frente e da frente para trás a encarar estas figuras, umas grotescas, outras autênticos espantalhos, e para as quais devemos ter entendimento histórico, são figuras que emanam da Antiguidade, sinais ingénuos, mensagens ocultas, algumas de cifra complexa, mas o que parece de mais importante é o peso da sua reminiscência popular que as torna tão atrativas, duradouras e sempre repetíveis. Porque é o povo quem mais ordena o que fica na autêntica tradição, o resto é kitsch, mamarracho, pura alarvice.

Veja-se o requinte destes azulejos, não tem nada de pseudónimo, não imitam o rococó ou coisa que o valha, só é novo o que foi esquecido, estão aqui lembranças do nosso potentado em azulejaria, aqui se glorifica o azul-anil, e senti-me feliz por estarem próximo da água, que belo complemento.

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É bom mostrar o passado, já possuímos importante indústria do barro vermelho e branco, são hoje espaços fantasmáticos que vemos das estradas, as paredes em escombros, às vezes ainda com chaminés altivas, como se tocasse uma sirene e os operários se lançassem ao trabalho, para fabricar desde o tijolo à frigideira. A nossa indiferença é rude e as próximas gerações pagarão com língua de palmo quando perceberem que fomos detentores de uma apreciável arqueologia industrial votada ao abandono, não é possível passar ao portão da Fábrica da Fiação de Tomar sem sentir um arrepio, vendo aquele vandalismo, aquela ganância de roubar maquinaria histórica, reduzindo aquela área ao espetro, à irremediável ruína.

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Chegámos à modernidade, vamos tirar o chapéu ao talento de quem sabe urdir no patamar das artes decorativas e avançar até à escultura, a visita à exposição não fica completa sem ir do Complexo Cultural da Levada até à Casa Vieira Guimarães para apreciar os trabalhos de Heitor Figueiredo, sinto-me profundamente agradado com a singeleza com que o artífice/artista embrecha os materiais, obtendo efeitos notáveis da madeira, que é mais do que um suporte, é um constitutivo dos elementos escultóricos, temos ali arte de vanguarda, que nos deve orgulhar, tudo muito bem enquadrado.

Se o leitor ainda lá não foi, não se esqueça que o término da exposição é domingo 3 de outubro. Ponha na agenda, dos Sítios do Barro não sairá dececionado.

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