Ruy de Carvalho: “tenho de trabalhar aos 92 anos”

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Ruy de Carvalho, nasceu no seio de uma família Lisboeta de classe média que nunca o impediu de seguir o seu verdadeiro sonho. Antes pelo contrário, sempre o acalentou, embora o seu pai, militar de carreira, tivesse preferido que seguisse a carreira castrense. Frequentou o curso de Teatro e Formação de atores no Conservatório Nacional. A sua estreia nacional ocorreu em 1947, no Teatro Nacional.

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 O Templário – Fez recentemente 92 anos. Que balanço faz da vida?

Ruy de Carvalho – O balanço é positivo. Tenho 77 anos de profissão, enho sido um homem com uma certa felicidade no meu trabalho, mas também faço por isso. Procuro fazer o melhor que sei e posso, aproveitar o jeitinho que Deus me deu para ser ator. Cada um tem jeito para a profissão que escolher. Se não tiver jeito para o fazer, não vale a pena. Por isso é que digo que sou amador profissional. De facto, escolhi uma profissão de que gosto muito.

 – Como é que surgiu o convite para fazer parte desta novela?

 – Quem me convidou foi o Adriano Luz. Abordou-me há um ano, para saber se eu estava livre, ia começar em janeiro, depois começou em maio, o que me complicou um bocado a vida porque eu tinha – e tenho – teatro ao mesmo tempo.

 – Que papel vai fazer na novela?

– Vou fazer de Floriano, um homem um bocadinho mais novo do que eu. É muito bem-disposto, mas que sofreu um grande desastre na vida. Ficou pobre os incêndios. Pobre, mas feliz, pois tem uma mulher de quem gosta muito.

 – Hoje faz telenovela. Ainda se recorda dos tempos em que fazia Teatro Radiofónico?

– Bons tempos. Foi uma grande escola para todos os jovens atores e uma forma de levar muitos dos nossos romances às pessoas, de uma forma diferente. Faz muita falta o teatro radiofónico. E acho.

 – E o programa Despertar da Rádio Renascença ter dado voz ao apontamento diário “ O Repórter da História” com textos magníficos do saudado jornalista Zuzarte Reis, foi bom?

– Se foi. Tenho muitas saudades de ler os textos brilhantes que Zuzarte escrevia. É quase como o teatro radiofónico. São verdadeiras aulas de história, da nossa história.

 – Ainda se sente com forças para continuar?

– Sinto com forças, sinto. Basta olharem para mim para verem que tenho forças. Claro que me custa descer escadas. Os nossos ossos vão-se modificando, os músculos também. Sou novo por dentro e velho por fora.

 – A sua fantástica carreira está cheia de prémios e condecorações. Que tipo de importância lhes dá?

 – O maior prémio é que nos dá o público, quando nos aplaude. Os prémios são o resultado desses aplausos. Tenho muitos prémios e condecorações e alguns deles foram escolhidos pelo público, o que me deixa muito, muito feliz. Mas não me agarro aos prémios. Tenho sempre tentar fazer melhor. É para isso que cá andamos. Para melhorar a nossa prestação na vida, tornar a nossa missão completa.

– O palco é uma espécie de local sagrado, ou é simplesmente, o reino de toda as fantasias?

– É sagrado, porque nele temos que trabalhar com um respeito enorme a quem caminha ao nosso lado, a quem já o pisou e já partiu e ao público. Mas é também o reino das fantasias. No palco sonha-se e eu gosto de sonhar.

 – Quanto tempo esteve no Conservatório Nacional? Recorda algum, ou alguns professores de forma especial?

– Não me recordo quanto tempo era ocurso. Creio que três ou quatro anos, mas lembro-me que tive de parar, para ir à tropa e só depois acabei o curso. Tive grandes mestres e grandes colegas. Muitos já partiram. Estou a ficar só, mas eram excelentes amigos e atores. Dos meus mestres o Alves da Cunha e o Eurico Lisboa, que foi padrinho do me filho. Tenho muito boas recordações. A melhor, que ultrapassa o teatro, foi ter conhecido a minha mulher, que estava no Balado, com a Margarida de Abreu.

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– Em que circunstâncias é que conhece a sua querida Ruth?

– Conheci a Ruth no Conservatório. Fiquei completamente apanhado, como se costuma dizer. E disse logo ao Armando Cortez, gostava que fosse a minha mulher e a mãe dos meus filhos. Ela não olhou logo para mim, ainda demorou algum tempo, mas eu lá fui fingindo que caia na escada e outras coisas para lhe chamar a atenção. A primeira vez que nos falamos foi no Porto, numa pensão no Bolhão, onde ficamos instalados durante a apresentação de uma Ópera. Estar no Coro do São Carlos permitiu-me estar perto ela, pois ela dançava em muitas óperas.

 – Tem muitas saudades da sua mulher?

– A minha mulher permanece dentro de mim. Continuo viúvo. Não procurei casar outra vez. Estou sozinho. Tenho uma senhora que trabalha na minha casa, que vem do tempo da minha mulher e que aprendeu umas coisas com ela. Essa senhora tee um acidente e agora não a tenho a trabalhar ao pé de mim Faz muita falta.

 – Foi difícil aprender a viver sem a Rute?

– Não, não foi difícil. Ela ensinou-me muitas coisas que me tê, servido para me orienta sozinho.

 – Casaram em que altura e quando chegam os filhos Paula e João?

– Casei ao fim de nove anos de namoro, no dia 17 de junho de 1954. O João nasceu em 1955 e a Paula em 1959. Foram dias todos eles, muito especiais e que nunca mais esquecerei enquanto for vivo. A minha família é muito importante e será sempre. A Ruth não está presente, mas está sempre connosco.

 – A família sempre significou muito para si. Consegue descrever esse significado?

– É o grande Amor. É a minha base de sustentação. Aprendi com os meus pais e tentei que com a minha família fosse o mesmo. Poder estar com a minha família é, sem dúvida, o que tenho de melhor no mundo.

– Os seus filhos estiveram sempre muito próximos de si, não só em termos pessoais, mas também no que diz respeito às profissões que escolheram. E com os netos, como é a sua relação com eles?

– É muito boa. Tenho três netos de que me orgulho muito. Um é geólogo, o João. Tem agora 36 anos. O do meio, o Diogo, vive em Hong Kong, com 32 anos é quase piloto. Infelizmente teve de ir para fora para ganhar a vida, mas é feliz e isso é que importa. O mais novo, o Henrique, tem agora 27 anos, e é ator desde os 9. São excelentes rapazes e muito bons naquilo que fazem. Somos muito amigos. Gostava de pode estar mais tempo com eles, mas a vida é mesmo assim. Tenho muito orgulho neles.

Um filho ator, um neto ator. Sonhava com isso? Teve influência nessas escolhas vocacionais?

– Como disse, tenho muito orgulho pela profissão que eles escolheram. Não estava à espera, e nunca os influenciei para isso. Mas fiquei muito orgulhoso de gostaram do que eu faço á quase 75 anos.

– Como é trabalhar com o seu filho e com o seu neto?

– É bom, é muito agradável. É mais difícil para eles trabalharem comigo. Ficam nervosos quando eu morro.

– Como era o teatro na Mocidade Portuguesa e que idade tinha?

– Comecei no teatro da Mocidade Portuguesa porque éramos obrigados a fazer alguma coisa na Mocidade Portuguesa e escolhi o teatro. Tinha cerca de 15 anos. Foi o princípio de um percurso que já leva 75 anos. A paixão do teatro e da representação começou aí. Aprendo muito, pois o nosso mestre o Ribeirinho. Um homem que sabia de teatro e de encenação como ninguém. Tinha o seu feitio, mas isso não me impediu de continuar e de ter deixado sementes no meu filho João e meu neto Henrique, que são o quinto e sexto ator da minha família.

 – Como é hoje o avô Ruy de Carvalho?

– É um avô normal. Nunca fui muito de fazer certas coisas, mas nunca deixar de amar os meus netos e fazer o possível por eles, dentro das minhas capacidades. Tenho um enorme orgulho neles. São três lindos rapazes, o João Ricardo, o Diogo Henrique e o Henrique. São muito boas pessoas e excelentes profissionais, que me deixam muito vaidoso. O mais novo, talvez o mais parecido comigo, deu-me a enorme alegria de escolher a minha profissão, tal como o tio, e isso deixa-me muito feliz. Ele tem, tal como o tio, um enorme talento. Deus queira que alcance um enorme sucesso na sua vida. Terá que ser com muita humildade e respeito pelo próximo.

 – E o bisavô?

– É um homem feliz, que conseguiu ter uma neta. Até aqui a Paula era a única menina. Agora tenho a Ritinha. Vive muito longe, agora em Hong King e não sei quando voltarei a ver.

 – Aos 92 anos já fez tudo aquilo que queria?

– Agora faço o querem que eu faça e que consiga fazer. Só quero é que não me carregue muito, não me deem montanhas de trabalho, porque realmente já não tenho capacidade. Eu, como estudo, levo um bocadinho de tempo, também preciso de um bocado de tempo para descansar. Nunca chego ao estúdio sem saber o que tenho de fazer, procuro sempre fazer isso, tanto no teatro como na televisão. A televisão é muito mais imediata, às vezes os textos não vêm com tempo para nos termos a possibilidade de olhar para eles com mais atenção.

 – Gostava de ter feito uma carreira internacional?

 – Gostava de ser português lá fora. Nunca deixar de ser português. Não era ser emigrante, gostava de ir lá e voltar. Como vem cá um ator ou um cantor in inglês, por exemplo. Tenho um grande orgulho em ser admirador da Maria João Pires, que é uma das grandes pianistas do Mundo.

 – O que costume fazer os seus tempos livre, quando não está a trabalhar?

– Quando posso, tento viajar. Adoro viaja. Às vezes, vou até ao Algarve, o vou com o me filho até à casa dele na Covilhã. Adoro lá estar. Quando estou sem trabalho, tento ler o mais possível, pois quanto tenho textos pra estudar, não o posso fazer.

– Ainda há alguma coisa que gostaria de fazer, algo que nunca tenha feito?

 – Já fiz tudo o que queria. Mas gostaria de ter um poder que permitisse aos Homens viverem em paz, mas esse poder não tenho.

 – Para um ator, uma entrevista é dos poucos momentos públicos em que não veste ou encarna outro personagem. Faz de si mesmo e não representa o papel de outro. Gosta desse descer de cena e falar de e das suas realidades, ou é-lhe desconfortável?

– Já me habituei há muito tempo em falar da minha vida. Nunca escondi nada e por isso, não tenho receio. Só não gosto que alterem o que eu digo, mas acho que isso acontece com todos nós. Também, gosto de andar na rua e nos transportes públicos. As pessoas são simpáticas comigo e é agradável. Não me escondo.

 – Ruy vive sozinho?

– Sim, vivo sozinho.

 – Como é que gostava de ser recordado?

– Gostava que dissessem que fui útil quando cá passei. Deixei ficar alguma marca, sobretudo na procura de qualidade do meu trabalho.

 – Teve três tumores malignos na bexiga. Foi difícil ultrapassar a doença?

– Não lhes dei categoria nenhuma. Tive muito bons médicos.

O que lhe falta fazer?

– Gostava de ir à Austrália e de poder ir ver, de novo, o meu neto Diogo a Hong Kong. Vamos a ver.

Orlando Fernandes

Fotos: net

 

Orlando Fernandes

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