Ao correr da pena…
Portugal viajou até 2030 para ouvir o anúncio de que o primeiro-ministro vai distribuir o que sabe que o Estado não produz e não sabe se o país vai produzir, dando um enorme salto sobre a realidade, como se ela estivesse às ordens deste Governo e fosse assalariada do Rato.
Foi neste quadro que tomou posse um Governo de representatividade minoritária do povo, tal como o último de Marcelo Caetano, quando se julgava arredada tal ilegitimidade pública per omnia saecula saeculorum…
E as vacuidades, modas e omissões gritantes são a marca deste Governo, como foram daquele.
Comecemos pelas omissões.
Há anos que não se dá a importância estrutural devida à reindustrialização do país: agora repetiu-se a cena e também não há ministro da Indústria.
E o Governo que agora tomou posse não trata de política industrial e indústrias. Limita-se à colagem ao Estado que, na prática também despreza.
A recordação longínqua do último ministro ligado ao setor industrial torna-se ainda mais assinalável quando tudo parece ser o resultado de afetação de cargos a ministérios e secretarias de Estado para cumprir compromissos e expectativas de grupos, mais que função de objetivos de eficácia governativa e da competitividade do país.
E a intersecção das mudanças no mundo e nos destinos de investimento industrial mais ainda justificaria uma missão dedicada e acolhida num ministério.
Já referimos a questão da indústria. A segunda grande ausência/omissão é o ministério do turismo.
Portugal tem um potencial fantástico de condições para destino de lazer e segunda residência do melhor poder de compra da Europa.
Não apenas turismo em Lisboa, mas para todo o país.
A transversalidade da pasta e a influência multissetorial na qualidade e criação de uma cultura turística justificavam-na plenamente.
A terceira grande ausência é a de um ministério coordenador das reformas (se houvesse vontade política e a consciência da urgência de as levar a cabo) que pegasse nas quatro ou cinco grandes questões do país (representação político-eleitoral, demografia, justiça e segurança social, investimento estrangeiro) e não largasse o “filão” reformador todos os dias.
Quanto às modas elas chegam a colar uma nota de provincialismo internacional que arrepia, no país que somos.
O clima, na sua quase intangibilidade de condicionamento ao alcance do homem, não justifica o oportunismo político feito negócio de colocar o enunciado nominal no ministério, que ainda há um ano mudou pelas mesmas razões de moda: era do Ambiente e passou para “da Transição Energética”, que agora cessou porque a transição deve ter sido concluída em breve ano de vigência nos cabeçalhos do ministério.
Já o ambiente, e a ecologia deviam ser preocupação permanente, mas sem passar do nível de uma direção-geral.
Ficam então as vacuidades.
A primeira é aquela secretaria de Estado do Cinema, Audiovisual e Média.
Um gabinete com um diretor de departamento ou um chefe de divisão não chegava para acompanhar a Lusa e a RTP?
Ou está adquirido que haverá eleições antecipadas e é preciso quem coordene a propaganda na RTP, na Lusa e distribua uns trocos pela mão estendida dos “agentes de artes visuais e cénicas”?
A segunda inutilidade é a existência de secretarias de Estado e ministério que se atravessam no caminho uns dos outros e seguramente só não vão andar à pancada porque é tudo gente civilizada.
Valorização do Interior e Coesão Territorial: qual dos titulares virá a ser o empecilho?
Desenvolvimento Regional e Coesão Territorial: quem está a mais?
Desenvolvimento Rural e Florestas: quem marca fronteira?
O primeiro-ministro parece que disse esta semana que com ele “nunca haverá pântanos”.
Mas, com este Governo, o próprio Estado já está pantanoso e depois admiram-se que 0,8% do PIB seja a média de crescimento do país nos últimos 15 anos, numa Europa que tem países a crescer a 5%.
Este ajuntamento governativo corresponde, assim, ao ranking de 0,8 de expetativas numa escala de zero a cinco.
E esta democracia que produz Governo minoritários com a mesma naturalidade e aceitação que vigorava naquele “tenebroso” tempo. Tornou-se a fautora da irrelevância na gestão das expetativas que todos os Governos deviam pretender alcançar.
Governos assim já não são instrumentos de desenvolvimento em democracia, são apenas ficção política.
Orlando Fernandes