A hipocrisia das eleições

Por: Orlando Fernandes

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   As eleições do passado dia 6 traduziram-se numa profunda derrota para o centro-direita em Portugal. Infelizmente, no entanto, nessa derrota o centro-direita só pode queixar de si próprio, uma vez que, depois de quatro anos da geringonça, que deixaram o país com a maior carga fiscal de sempre, enquanto os serviços públicos foram completamente destruídos, teria sido facílimo ao centro-direita apesentar uma alternativa consistente e regressar ao governo.

   Tal até foi facilitado pelo próprio António Costa, que se especializou em dar tiros no pé durante a sua campanha, desde o apoio a Azeredo Lopes no caso de Tancos à sua reacção intempestiva a um simples comentário de um popular numa arruada sobre a atitude que tomou perante os incêndios de Pedrógão Grande.

   Não foi por isso em resultado da actuação dos seus adversários que o centro-direita perdeu as eleições, mas apenas em consequência da sua própria conduta.

   Nesse aspecto, o partido mais penalizado foi o CDS, que até tinha sido aquele que mais se esforçou por fazer oposição a António Costa no parlamento. Só que o CDS cometeu dois pecados capitais. Em primeiro lugar, resolveu alinhar com a esquerda na questão dos professores, querendo agradar a um eleitorado tradicional do PS, mas desvalorizando o seu próprio eleitorado, que viu essa atitude como uma injustiça flagrante.

   E, em segundo lugar, decidiu pôr em causa o “numerus clausus” no acesso à Universidade, propondo dar vagas a quem as pagasse. Todo o discurso habitual ao centro-direita sobre a recompensa do mérito foi assim posto em causa, sendo que ninguém se comoveu nada com o exemplo do pobre estudante, que não entrou por umas décimas, mas que queria pagar para entrar. A demissão de Assunção Cristas em consequência deste resultado eleitoral é o corolário desses dois erros colossais.

  Já o PSD acabou por ser menos penalizado nas urnas, especialmente em resultado da boa campanha de Rui Rio, que soube aproveitar bem alguns dos disparates cometidos por António Costa na recta final. Mas a boa campanha que Rui Rio acabou por fazer não apagou erros enormes na candidatura do PSD, como o de apresentar candidatos anódinos a encabeçar as listas nos círculos eleitorais de Lisboa e Porto e de ter alinhado com os partidos da extrema-esquerda em várias ocasiões, como no apoio à taxa Robles do BE ou na questão dos professores.

   Tudo isso contribuiu para que o PSD tivesse tido um dos piores resultados da sua história. O actual posicionamento à esquerda do PSD é um claro erro estratégico, uma vez que a criação da geringonça impunha uma bipolarização à direita e não uma deriva esquerdista do partido.

   Desta forma o PSD arriscou deixar fugir toda a sua ala direita, que se desviou para pequenos partidos como a Iniciativa Liberal e o Chega, sendo que a Aliança só fracassou devido ao mau desempenho político de Santana Lopes. Ora, a fragmentação à direita, e especialmente a entrada da extrema-direita no parlamento, não é do interesse do PSD, que passou a ter muito mais dificuldade em construir uma solução alternativa de governo.

   Tivessem os partidos de centro-direita concorrido coligados num projecto consistente e esta fragmentação e esta derrota eleitoral não se teriam verificado.

   Em relação aos partidos da esquerda, o PS ganhou claramente as eleições, mas não obteve a maioria absoluta que ambicionava, e que estava perfeitamente ao seu alcance, não tivesse sido a campanha eleitoral desastrosa que António Costa protagonizou. Mas não é claro que o reforço do PS se traduza numa solução governativa mais fácil com este novo quadro parlamentar.

    Estas eleições deixaram marcas, sendo que o discurso de Jerónimo de Sousa na noite eleitoral demonstra que ele já percebeu que a geringonça é um mau negócio para o PCP, pois tem vindo a afastar completamente o seu eleitorado tradicional. Quanto ao Bloco de Esquerda, apesar das falinhas mansas de Catarina Martins na noite das eleições, é previsível que o Bloco de Esquerda venha a vender caro o seu apoio a um governo do PS, exigindo a sua participação nele ou pelo menos compromissos firmes com as suas políticas, à semelhança do que exgiu o Podemos em Espanha.

    António Costa, na noite eleitoral, bem tentou reeditar a geringonça e até alarga-la ao PAN e ao Livre. Mas o PAN, pese embora o seu enorme crescimento eleitoral, não esta em condições de assegurar-lhe o apoio que necessita para atingir a maioria absoluta e o Livre, fruto de uma cisão no Bloco, não será seguramente bem visto por este. O PS bem pode assim cantar vitória, mas a sua governação ficou muito mais complicada, com a confusão que resultou destas eleições.

    Assim, há apenas alguém que estará seguramente satisfeito por ter visto reforçado o seu papel político em consequência deste resultado eleitoral. Esse alguém é o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que em consequência do colapso do centro-direita e das dificuldades de uma nova geringonça, pode agora proclamar como Mao Tsé-Tung: “Há um caos total debaixo dos céus, a situação é excelente”. A tarefa de quem liderar o centro-direita nos próximos tempos é colar os estilhaços que sobraram deste desastre e fazer o país sair do caos em que foi colocado.

* Artigo publicado no Jornal O Templário, edição (24-10-2019) em papel.

Orlando Fernandes

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