A primeira biografia do Senhor Cinco por Cento

Por: Beja Santos

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A obra tem tido sucessivas edições na Texto Editora, a partir de 2009. O seu autor, Ralph Hewins (1909-1985) foi um escritor britânico interessado nas biografias, escreveu as vidas do conde sueco Folke Bernadotte e do multimilionário norte-americano J. Paul Getty.

O livro é profundamente influenciado pelo filho de Gulbenkian, Nubar, e é preciso ler esta obra para perceber que a própria Fundação criada pelo benemérito não se sentia motivada para a publicar, o senhor Gulbenkian aparece aqui com uma vida familiar pouco recomendável, dado a uma permanente infidelidade à mulher, generoso e sovina, indeciso até perto da morte quanto ao que fazer da sua coleção de arte e do seu dinheiro, tanto quanto aqui se escreve deu o menos possível aos seus herdeiros, se bem que os filhos tenham herdado volumosas maquias e mantido o estilo em grande: A Biografia de Calouste Gulbenkian, O Senhor Cinco por Cento, por Ralph Hewins, Texto Editores, 3ª edição, 2014. Esta bibliografia foi autorizada pela família.

Muitos dos dados biográficos aqui utilizados estão amplamente reproduzidos em biografias posteriores, o financeiro, diplomata, filantropo criador da Fundação Gulbenkian ficou conhecido pelo seu amor à Arménia, o apoio que concedeu às vítimas do genocídio turco, a sua refinada educação em engenharia e o seu envolvimento nos negócios do petróleo. Muito jovem, chega a Baku, vem inteirar-se da indústria petrolífera russa. E o autor escreve: “O desperdício colossal dos campos de petróleo de Baku chocou a inteligência de Gulbenkian. Apesar de as monumentais reservas de petróleo terem sido reveladas há 15 anos graças à perfuração mecânica no Cáucaso, muitos poços de petróleo que brotavam naturalmente eram absorvidos pela areia sem que fossem tomadas quaisquer medidas para o seu aproveitamento. O deserto estava literalmente ensopado em petróleo. O Cáspio estava preto devido ao crude desperdiçado”. Gulbenkian viu aqui um futuro tão poderoso para a indústria petrolífera transcaucasiana que se achou na obrigação de considerar as implicações políticas. Tenta envolver a família, revela a verdade dos factos às autoridades turcas (o império otomano controlava a Mesopotâmia), estava já lançada a rivalidade anglo-alemã centrada nos direitos petrolíferos, aliás uma das causas para o desencadear na I Guerra Mundial. Sucesso no casamento, sucesso nos negócios, fuga da Turquia quando se iniciaram as perseguições aos arménios, Gulbenkian lança as pontes para o negócio do petróleo, o biógrafo conta tudo ao pormenor, os êxitos e os reveses, como se arquitetou o negócio que lhe dava anualmente milhões depois da criação, em 1910, da Iraq Petroleum Company. Passa a ser reconhecido no mundo inteiro como o grande especialista em assuntos de petróleo, dado como hábil negociador. Nas esferas imperiais sabia-se que os hidrocarbonetos iriam alterar radicalmente a civilização como alteraram, Gulbenkian ajudou os britânicos a afastar os alemães, criou cumplicidades com os holandeses e jamais hostilizou os soviéticos (o que lhe trouxe benefícios, discretamente comprou tesouros que hoje estão patentes na sua coleção quando as autoridades soviéticas precisavam de liquidez para matar a fome da população). O desfecho da I Guerra Mundial alterou a geografia das potências, iremos ler as peripécias à volta das negociações, chegam entretanto os norte-americanos, a Anglo-Persian Company e o grupo da Royal Dutch-Shell e os franceses não conseguiram travá-los. Na verdade, em meados da década de 1920, o petróleo no Iraque já não era teórico, era na Mesopotâmia e na Arábia que estavam as mais promissoras jazidas.

O biógrafo concede amplo espaço a todas estas negociações mas não deixa de relevar a coleção de obras de arte, o espírito apurado do colecionador e até o modo como foi adquirindo algumas das suas peças determinantes, na sua moradia, em Paris, não muito longe do Arco do Triunfo, vivia cercado delas. Malquistado pelos britânicos, socorrendo-se do seu passaporte persa, Gulbenkian e a família chegam a Portugal em 1942, o Hotel Aviz seria a sua última casa, que o autor apresenta assim: “Podia ser o palco para uma igreja exótica, para um museu ou para um palácio da Ruritânia. Tem ferro forjado, mobiliário muito esculpido, uma série de brasões, tapeçarias, estátuas ilustres. O elevador é um palanquim dourado forrado a cetim. Quadros, brasões de armas e quadros para afixar avisos, não deixam qualquer dúvida aos visitantes de que os portugueses estiveram no mar. Os descobridores portugueses entre 1418 a 1542 estão ali listados solenemente”. Um hotel que tivera como clientes celebridades como Somerset Maugham, o duque e a duquesa de Windsor, os príncipes Alexander e Nicholas da Jugoslávia, a rainha mãe Elizabeth dos belgas, estadistas como Clement Attlee, lorde Louis e lady Mountbatten, músicos como Yehudi Menuhin, atores como Charles Boyer e escritores como André Maurois.

O seu testamento não agradou à família, e por trabalhos mais recentes ficou-se a saber que o executor do testamento, Azevedo Perdigão, teve bastante trabalho para fazer convergir os tesouros acumulados por Gulbenkian. O último capítulo da obra deixa ver como ele surpreendeu tudo e todos com a sua decisão de deixar o essencial da sua imensa fortuna a uma Fundação com objetivos claramente demarcados. O biógrafo não escreve, nem previa, mas foi essa Fundação que tem permitido, década após década, a que o nome Gulbenkian esteja associado a beleza, conhecimento e investigação, festim musical, solidariedade – não só para portugueses mas um pouco por todo o mundo.

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